Ambiente e Sustentabilidade

Corrigir os sistemas alimentares é fundamental para proteger a biodiversidade

No Dia Internacional da Biodiversidade, do passado dia 22 de maio, analisámos como mudar a nossa alimentação pode ajudar a restaurar a harmonia com a natureza
Proteger a biodiversidade exige uma mudança sistémica – não apenas através de políticas, mas também através de transformações na forma como produzimos e consumimos alimentos. Os nossos sistemas alimentares desempenham um papel central na perda de biodiversidade, mas também podem fazer parte da solução.

Estamos agora a enfrentar a sexta extinção em massa na história da Terra – mas desta vez, a causa não é um asteroide ou uma erupção vulcânica. Somos nós. E o que comemos tem muito a ver com isso.¹

Os sistemas alimentares estão a impulsionar a perda de biodiversidade

A agricultura utiliza mais de metade das terras habitáveis do planeta e é a principal causa da desflorestação global.² Entre 2000 e 2018, foi responsável por cerca de 90% da desflorestação em todo o mundo.³ A desflorestação e a conversão de terras destroem os habitats de inúmeras espécies, desde mamíferos e aves até fungos e microrganismos.

Mais de 27.000 espécies estão ameaçadas pela agricultura, segundo dados da União Internacional para a Conservação da Natureza.⁴ Isso representa mais de metade de todas as espécies avaliadas como estando em risco de extinção.

No centro do problema está a pecuária industrial. A pecuária ocupa quase 80% das terras agrícolas globais, embora produza menos de 20% das calorias mundiais.⁵ Não é apenas ineficiente – é devastadora para os ecossistemas. A produção de rações, o abate de florestas e o pastoreio de animais são todos grandes impulsionadores da perda de biodiversidade.⁶

A biodiversidade e a segurança alimentar andam de mãos dadas

Ironicamente, embora os sistemas alimentares atuais estejam a prejudicar a biodiversidade, também dela dependem. A natureza fornece serviços de ecossistema essenciais para a agricultura, incluindo solos saudáveis, polinização, controlo natural de pragas e purificação da água. Sem eles, os nossos sistemas alimentares colapsariam.

Ao mesmo tempo, as nossas dietas tornaram-se menos diversificadas. Das mais de 6.000 espécies vegetais historicamente cultivadas para alimentação, menos de 200 contribuem de forma significativa para a produção alimentar global – e apenas nove culturas representam dois terços de toda a produção.⁷ Isto não é apenas prejudicial para a biodiversidade – é também arriscado para a nutrição e segurança alimentar.

A investigação mostra uma forte ligação entre diversidade de culturas e diversidade alimentar, o que pode ajudar a reduzir a fome oculta (deficiências em micronutrientes), mesmo quando a ingestão calórica é suficiente.⁸

Mudar a alimentação para proteger a biodiversidade

A boa notícia é que aquilo que comemos pode fazer parte da solução. Uma transição para uma alimentação mais baseada em vegetais é uma das formas mais eficazes de reduzir a pressão sobre os ecossistemas e apoiar a biodiversidade.

Na Conferência da ONU sobre Biodiversidade de 2024 (COP16), a comunidade global reforçou a necessidade urgente de alinhar os sistemas alimentares com a proteção da natureza. A ProVeg defendeu exatamente isso, apelando a mudanças na alimentação, reformas políticas e um maior foco em soluções baseadas em vegetais.⁹ Estas prioridades estão alinhadas com o Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, adotado na COP15, que continua a ser uma estrutura orientadora para a ação pela biodiversidade.

Um número crescente de estudos e iniciativas de defesa identificam cinco ações-chave para alinhar os sistemas alimentares com os objetivos de biodiversidade:

  1. Apoiar a agricultura amiga da biodiversidade – Promover práticas agroecológicas que preservem habitats e reduzam os insumos.
  2. Diversificar as culturas agrícolas – Investir em investigação e inovação para levar uma maior variedade de plantas resilientes e nutritivas ao mercado.
  3. Expandir o acesso a alimentos de base vegetal – Facilitar a escolha de opções vegetais em supermercados, restaurantes e serviços públicos de alimentação.
  4. Alinhar as diretrizes alimentares – Garantir que as políticas nacionais de nutrição promovam dietas ricas em alimentos vegetais que cumpram metas de biodiversidade e climáticas.¹⁰
  5. Reformar subsídios prejudiciais – A nível global, 87% dos subsídios agrícolas distorcem os preços e prejudicam o ambiente. Esse dinheiro poderia ser usado para apoiar a produção alimentar sustentável.¹¹

Muitas destas ações estão diretamente alinhadas com o Quadro de Kunming-Montreal, que apela à transformação dos sistemas alimentares através dos Objetivos 10 (agricultura sustentável), 16 (consumo sustentável) e 18 (eliminação de subsídios prejudiciais).

O que podes fazer

As escolhas individuais contam. Não precisa de ser perfeito – mas cada passo em direção a uma alimentação baseada em vegetais ajuda a reduzir a pressão sobre os ecossistemas e apoia um sistema alimentar mais saudável e equilibrado.

Eis algumas ações simples:

  • Experimenta uma nova refeição à base de vegetais esta semana.
  • Opta por ingredientes locais e sazonais.
  • Explora cereais e leguminosas menos conhecidos.
  • Apoia marcas que priorizam a biodiversidade e a sustentabilidade.

Comer em harmonia com a natureza é uma das formas mais poderosas de moldar um futuro melhor – para as pessoas e para o planeta.

Adaptado de artigo de Simon Middleton, Senior Writer da ProVeg International

References

  1. Ceballos, G., Ehrlich, P.R., & Dirzo, R. (2017): Biological annihilation via the ongoing sixth mass extinction signaled by vertebrate population losses and declines. Proceedings of the National Academy of Sciences 201704949. doi:10.1073/pnas.1704949114.
  2. Poore, J., & Nemecek T. (2018): Reducing food’s environmental impacts through producers and consumers. Science 360(6392), 987–992. doi:10.1126/science.aaq0216
  3. FAO (2021): COP26: Agricultural expansion drives almost 90 percent of global deforestation. Available at: https://www.fao.org/newsroom/detail/cop26-agricultural-expansion-drives-almost-90-percent-of-global-deforestation/en#:~:text=Rome%20%E2%80%93%20Agricultural%20expansion%20drives%20almost,Global%20Remote%20Sensing%20Survey%20today. [Accessed: 02.05.2022].
  4. IUCN Red List – Threatened species (2025). Available at: https://www.iucnredlist.org/search
  5. Poore, J., & Nemecek T. (2018): Reducing food’s environmental impacts through producers and consumers. Science 360(6392), 987–992. doi:10.1126/science.aaq0216.
  6. FAO (2021): COP26: Agricultural expansion drives almost 90 percent of global deforestation. Available at: https://www.fao.org/newsroom/detail/cop26-agricultural-expansion-drives-almost-90-percent-of-global-deforestation/en#:~:text=Rome%20%E2%80%93%20Agricultural%20expansion%20drives%20almost,Global%20Remote%20Sensing%20Survey%20today. [Accessed: 02.05.2022].
  7. FAO – The State of the World’s Biodiversity for Food and Agriculture (2019). Available at: https://openknowledge.fao.org/handle/20.500.14283/CA3129EN.
  8. Dannenberg et al. (2024): Eight arguments why biodiversity is important to safeguard food security. Available at: https://nph.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ppp3.10492.
  9. ProVeg: The 2024 UN Biodiversity Conference – a pivotal moment for biodiversity and the future of food. Available at: https://proveg.org/news/the-2024-un-biodiversity-conference-a-pivotal-moment-for-biodiversity-and-the-future-of-food/.
  10. Klapp et al. (2022): A global analysis of national dietary guidelines on plant-based diets. Available at: https://cdn.nutrition.org/article/S2475-2991(23)00560-7/fulltext.
  11. FAO, UNDP and UNEP (2021): A multi-billion-dollar opportunity. Available at: https://doi.org/10.4060/cb6562en.

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