As alterações climáticas, a sustentabilidade dos ecossistemas e a saúde pública, face a um sistema planetário com limitações de recursos naturais e um excessivo consumo alimentar industrializado, representam o problema mais grave e mais premente que se colocou à espécie humana nos últimos três quartos de séculos.1
Adoptar uma dieta de base vegetal contribui para:
- Até 75% menos emissões de gases poluentes, poluição da água e uso do solo e reduz substancialmente a perda de biodiversidade2
- Menor risco de mortalidade por doença cardiovascular e mortalidade por todas as causas3
O sistema alimentar e o profundo impacto ambiental e climático
Cerca de um terço das emissões de gases poluentes da União Europeia estão associadas à alimentação, sendo que o consumo de produtos de origem animal representam cerca de 70% desse impacto.4 A produção de carne e laticínios é a maior fonte de emissões de metano na UE, um gás que chega a ser 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono.
Começamos a sentir as consequências das nossas ações e a ver os sinais de alerta de um planeta em crise climática severa.
Substituir 50% do consumo de carne de origem animal e laticínios por alternativas de base vegetal, até 2050, pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa relacionadas com a agricultura e o uso da terra em 31%.5
Se todos mudassem para uma dieta baseada em vegetais, reduziríamos igualmente o uso global da terra para a agricultura em 75%, permitindo mais biodiversidade e mais alimento produzido por unidade de terra disponível.6
São necessárias intervenções públicas urgentes e eficazes nos vários setores e contextos que intervêm no sistema alimentar, desde a produção agrícola, à investigação, inovação empresarial e consumo. Apenas desta forma será possível atingir a neutralidade carbónica até 2050.
Ineficiência do sistema alimentar
Cerca de três quartos da área livre de gelo no mundo foram afetados pelo uso humano, principalmente por via da agricultura, e de alterações no uso do solo (em particular, através da desflorestação), conduzindo à perda de biodiversidade.
Prevê-se que a população mundial atinja os 10 mil milhões até 2050. Alimentar este número de pessoas exigirá um aumento de 70% na produção global de alimentos.7
Para responder a este aumento da procura, é essencial otimizar o uso dos recursos naturais necessários para a produção alimentar. No entanto, uma elevada dependência de produtos de origem animal tende a agravar a ineficiência do sistema, alimentar já que estes representam fontes de nutrição menos eficientes.
Por exemplo, em média, para 150 g de carne bovina (cerca de apenas uma porção), são necessários aproximadamente 8 kg de ração. Para 100 g de carne de aves, são necessários aproximadamente 770 g de ração.8 Por outro lado, um kg de cereais e leguminosas secas equivale a cerca de 20 a 25 doses.
A taxa de conversão alimentar que se aplica aos produtos de origem animal não é usada nos alimentos de origem vegetal porque estes não têm as perdas metabólicas dos animais, tendo, à luz do conceito, 100% de aproveitamento e, por isso, permitem uma otimização muito maior dos recursos naturais.
A pressão sobre a terra provocada pela pecuária impacta negativamente os agricultores. Pelo que uma abordagem de diversificação de proteínas é, na verdade, baseada em equidade e inclusão.
Uma solução proteica culturalmente aceite para uma produção alimentar mais eficiente são as leguminosas: alimento de origem vegetal altamente versátil, rico em proteína, micronutrientes e fibras alimentares, sem colesterol e baixo em gordura. Além disso, são benéficas para o planeta, sendo capazes de estabelecer relações simbióticas entre as suas raízes e bactérias fixadoras de azoto que se encontram no solo, levando à fixação biológica de azoto atmosférico.
Contribuem para a diversificação de culturas, redução da utilização de energias fósseis e diminuição das emissões dos gases de efeito de estufa.
Requerem menos água relativamente à produção de outras fontes de proteína (comparativamente à carne, as leguminosas possuem uma pegada hídrica 88% inferior).9
A diversificação global de proteínas desempenha um papel significativo na melhoria da distribuição equitativa de alimentos e na segurança alimentar.
Na maioria dos países desenvolvidos, é necessário uma maior aposta em proteínas alternativas, incluindo opções vegetais, fermentadas e cultivadas. E, embora seja imperativo reduzir o consumo de proteína animal nestes países, é ao mesmo tempo necessário aumentar o acesso a proteínas saudáveis e sustentáveis nos países menos desenvolvidos. A diversificação global de proteínas deve se tratar tanto da redução das emissões quanto da promoção de uma distribuição equitativa de proteínas.
Saúde pública
Uma dieta de base vegetal com baixo teor de sal, gorduras saturadas e açúcares é amplamente associada a um menor risco de mortalidade prematura e oferece proteção contra doenças não transmissíveis.
Em concreto, estima-se que, em 2020, cerca de 2,4 milhões de mortes e 240 milhões de euros em custos com a saúde, a nível mundial, se deveram ao consumo excessivo de carne vermelha e processada.10
Adicionalmente, estima-se que, em 2017, 73% dos antimicrobianos em todo o mundo foram usados em animais de criação. Como consequência do consumo destes, prevê-se que, até 2050, quase 10 milhões de pessoas possam morrer devido à perda de eficácia dos antibióticos.11
Adicionalmente, entre as doenças novas e emergentes que afetam os seres humanos, estima-se que 75% sejam de origem animal. Bactérias patogénicas resistentes a antimicrobianos podem ser transmitidas aos seres humanos através das cadeias alimentares e de recursos hídricos. Assim, a produção, distribuição e consumo de produtos de origem animal constituem um elevado risco de transmissão zoonótica.12
Oportunidades económicas
A venda de alimentos de origem vegetal aumentou, em Portugal, 20% entre 2020 e 2022, atingindo o valor de 64,7 milhões de euros. Por sua vez, o setor de alimentos de origem vegetal cresceu 7%.13
Em detalhe, verificou-se um aumento de 12% no número de unidades vendidas de bebidas de base vegetal, tendo este crescimento sido acompanhado por uma queda nas vendas de leite de vaca.
A bebida de soja, um derivado de leguminosa, esteve na frente deste aumento, tendo correspondido a 29% das vendas em 2022, seguida da bebida de aveia (27%) e da bebida de amêndoa (22%).
Portugal ocupa o 12.º lugar em termos de vendas em euros de alimentos de base vegetal na Europa e o 10.º em gastos médios per capita, aconselhando-se a necessidade de promover o investimento na comercialização e desenvolvimento de fontes de proteína de base vegetal para enfrentar a crescente procura e acompanhar os esforços de evolução do restante mercado europeu.
Referências:
- Tong, S., Bambrick, H., Beggs, P. J., Chen, L., Hu, Y., Ma, W., Steffen, W., & Tan, J. (2022). Current and future threats to human health in the Anthropocene. Environment International, 158, 106892. ↩︎
- Scarborough, P., Clark, M., Cobiac, L. et al. Vegans, vegetarians, fish-eaters and meat-eaters in the UK show discrepant environmental impacts. Nat Food 4, 565–574 (2023). https://doi.org/10.1038/s43016-023-00795-w ↩︎
- Kim, H., Caulfield, L. E., Garcia-Larsen, V., Steffen, L. M., Coresh, J., & Rebholz, C. M. (2019). Plant-based diets are associated with a lower risk of incident cardiovascular disease, cardiovascular disease mortality, and all-cause mortality in a general population of middle-aged adults. Journal of the American Heart Association, 8(16), e012865. https://doi.org/10.1161/JAHA.119.012865 ↩︎
- Scarborough, P., Clark, M., Cobiac, L. et al. Vegans, vegetarians, fish-eaters and meat-eaters in the UK show discrepant environmental impacts. Nat Food 4, 565–574 (2023). https://doi.org/10.1038/s43016-023-00795-w ↩︎
- Kozicka, M., Havlík, P., Valin, H. et al. Feeding climate and biodiversity goals with novel plant-based meat and milk alternatives. Nat Commun 14, 5316 (2023). https://doi.org/10.1038/s41467-023-40899-2 ↩︎
- Hannah Ritchie (2021) – “If the world adopted a plant-based diet, we would reduce global agricultural land use from 4 to 1 billion hectares” Published online at OurWorldinData.org. Retrieved from: ‘https://ourworldindata.org/land-use-diets’ [Online Resource] ↩︎
- FAO. (2009). High level expert forum: How to feed the world in 2050. Food and Agriculture Organization of the United Nations. ↩︎
- Alexander et al. (2016). Human appropriation of land for food: the role of diet.Global Environmental Change. ↩︎
- Clune S, Crossin E, Verghese K. Systematic review of greenhouse gas emissions
for different fresh food categories. Journal of Cleaner Production. 2017;140(Part
2):766–83. ↩︎ - Plant-based diets and their impact on health, sustainability and the environment: a
review of the evidence: WHO European Office for the Prevention and Control of Noncommunicable Diseases. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2021. ↩︎ - Mulchandani R, Wang Y, Gilbert M, Van Boeckel TP (2023) Global trends in antimicrobial use in food-producing animals: 2020 to 2030. PLOS Global Public Health 3(2): e0001305 ↩︎
- Sandhu HS, Arora A, Sarker SI, Shah B, Sivendra A, Winsor ES, Luthra A. Pandemic prevention and unsustainable animal-based consumption. Bull World Health Organ. 2021 Aug 1;99(8):603-605. doi: 10.2471/BLT.20.276238. Epub 2021 Jun 1. PMID: 34354315; PMCID: PMC8319869. ↩︎
- Good Food Institute Europe. (2023). Portugal: Plant-Based Foods Retail Market Report (2020–2022). GFI Europe. ↩︎