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Análise da Balança Alimentar Portuguesa 2020-2024: Tendências e Desvios

A Balança Alimentar Portuguesa (BAP) é um instrumento analítico de natureza estatística, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, I.P. (INE, I.P.), com periodicidade quinquenal. Esta publicação mede o consumo alimentar através da perspetiva da oferta dos alimentos e é expressa em disponibilidades edíveis diárias por habitante, traduzidas em calorias, proteínas, hidratos de carbono, gorduras, álcool, vitaminas e minerais.

A BAP 2020-2024 demonstra a urgência de reequilibrar a dieta nacional pela saúde pública.

O principal desequilíbrio reside no excesso de carne e produtos animais (maior desvio positivo na Roda dos Alimentos) e no consequente excesso de gorduras saturadas (15,3% das calorias, acima do máximo de 10% da OMS). Este padrão afasta Portugal do seu modelo tradicional de Dieta Mediterrânica.

A principal oportunidade de correção reside no reforço dos vegetais, nomeadamente as hortícolas (em défice de -8,1 p.p.) e as leguminosas, cujo crescimento promissor na contribuição proteica (+12,5%) deve ser motivado.

Desvios Estruturais Face à Roda dos Alimentos

A comparação entre as disponibilidades alimentares apuradas pela BAP e o padrão recomendado pela Roda dos Alimentos evidencia, uma vez mais, desvios significativos. Em 2024, os grupos com maiores desvios mantiveram-se:

  • Por Excesso: O grupo “Carne, pescado e ovos” registou o maior desvio positivo, com +12,4 p.p. em 2024 (comparado com +12 p.p. em 2020).
  • Por Defeito (Défice): As “Hortícolas” apresentaram um défice de -8,1 p.p.. Os “Frutos” também se mantiveram abaixo do recomendado, com -3,7 p.p..

Análise das Disponibilidades por Grupos de Produtos

O período 2020-2024 trouxe variações importantes nas disponibilidades médias diárias por habitante:

  • Cereais: As disponibilidades alimentares diminuíram ligeiramente (-1,2%), situando-se nas 342,4 g/hab/dia. A produção nacional de cereais cobre apenas cerca de 23% do consumo das pessoas, tornando o país muito dependente das importações. A alimentação animal é o principal destino dos cereais produzidos no país, representando quase 59% da utilização interna.
  • Leguminosas: Com 12,5 g/hab/dia de leguminosas disponíveis, o consumo aparente registou um aumento de cerca de 2%. O acréscimo das disponibilidades para consumo de leguminosas, entre 2022 e 2024, deveu-se, sobretudo, ao aumento das importações (+43,2%).
  • Carne e ovos: As disponibilidades aumentaram 2,9%, atingindo uma média de 234,4 g/hab/dia (85,5 kg/hab/ano). Os animais de capoeira continuam a representar a maior fatia das disponibilidades, correspondendo a 39,9% do total, sendo que o consumo aparente de ovos aumentou 11,9% no quinquénio, com uma taxa média de crescimento anual de cerca de 3%. Analisando apenas no âmbito da BAP, estes dados acentuam outros indicadores da análise, nomeadamente excesso de consumo de gordura saturada e maior necessidade de importação de determinados alimentos, como cereais (fragilizando a segurança alimentar do país e tornando-o vulnerável num contexto de instabilidade).
  • Pescado: A oferta para consumo diminuiu 2,1%, ficando-se nos 60,4 g/hab/dia.
  • Leite e Produtos Lácteos: As disponibilidades diárias per capita reduziram-se em 3,6%, situando-se nos 312,7 g/hab/dia. O leite (56,7% do total) viu a sua disponibilidade diminuir 10,6%.
  • Frutas: Registou-se um aumento de 13,9% nas quantidades diárias disponíveis, com um crescimento médio anual de 1,8%. A maçã (23,8%) e a laranja (21,1%) foram os frutos frescos com maior disponibilidade.
  • Óleos e Gorduras: O consumo aparente manteve uma trajetória decrescente, reduzindo-se em 7,1%, fixando-se em 95,4 g/hab/dia.
  • Bebidas Alcoólicas: As disponibilidades diárias per capita aumentaram 10,0% face ao período 2015-2019, atingindo 332,2 ml/hab/dia.

Disponibilidade de Macronutrientes e as Recomendações Internacionais

A BAP também analisa a contribuição dos alimentos para o fornecimento de macronutrientes, confrontando tais dados com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). É fundamental notar que esta análise é baseada num aporte calórico médio de 4167 kcal/hab/dia (em 2024), valor muito superior às 2000 kcal/hab/dia geralmente recomendadas para um plano alimentar.

  • Proteínas: A contribuição energética (13,7% em 2024) situou-se dentro do intervalo recomendado pela OMS (10-15%). Mas a principal fonte de proteína foi o grupo “Carne, pescado e ovos” (48,0%), que foi consumido em excesso face ao recomendado, o que, por sua vez, esteve intrinsecamente ligado à ingestão acrescida de gorduras, contribuindo para o risco de doenças circulatórias e cardíacas, conforme se lê no documento.

As leguminosas, apesar de serem uma fonte importante de proteína, apresentam uma baixa contribuição para a proteína total disponível em Portugal, mas, não obstante, evidenciam uma tendência de crescimento no consumo aparente. O grupo das “Leguminosas secas” contribuiu com apenas 2,0% para as disponibilidades diárias per capita totais de proteína em 2024. Mas, apesar do seu menor contributo geral, este grupo apresentou uma das maiores variações positivas na contribuição proteica (+12,5%) no quinquénio 2020-2024, superando os grupos com maior representatividade. Em 2024, estavam disponíveis para consumo 13,2 g/hab/dia de leguminosas secas (4,8 kg/hab/ano): um aumento de 10,0% nas disponibilidades em 2024 face a 2020. O feijão é a leguminosa dominante, representando em média 65,6% das disponibilidades totais em 2020-2024, enquanto o grão-de-bico representou 34,4%.

As leguminosas secas são um pilar fundamental do padrão alimentar da Dieta Mediterrânica. O consumo insuficiente de leguminosas secas é um fator que contribui para o afastamento do padrão da Dieta Mediterrânica.

  • Gorduras: A contribuição energética foi de 36,0% em 2024, excedendo o limite máximo recomendado de 30%. O grupo “Óleos e gorduras” é o principal fornecedor deste macronutriente (54,4%), sendo que a proporção de calorias provenientes de gorduras saturadas (maioritariamente de origem animal) também ultrapassou o limite saudável, totalizando 15,3% em 2024 (face ao máximo recomendado de 10%).
  • Hidratos de Carbono: A contribuição foi de 49,8% em 2024, ficando abaixo do intervalo recomendado (55-75%).

Relativamente aos açúcares adicionados, embora a sua contribuição para o aporte calórico total (7,2% em 2024) tenha ficado abaixo do limite máximo recomendado (10%) pela OMS, o valor absoluto (75,3 g de açúcar adicionado per capita em 2024) supera o máximo de 50 g recomendado numa dieta de 2000 kcal/hab.

No que toca aos micronutrientes, as disponibilidades diárias per capita de vitaminas e minerais apuradas na BAP para 2020-2024 são, em geral, superiores aos valores de referência diários para um adulto, com exceção da Vitamina D, cujas quantidades coincidem com os valores de referência.

O Afastamento da Dieta Mediterrânica

A Dieta Mediterrânica, um padrão alimentar e um estilo de vida reconhecido como património imaterial da humanidade desde 2013, é avaliada através do Mediterranean Adequacy Index (MAI).

Conclusão

Em suma, a edição 2020-2024 da BAP destaca a persistência de desequilíbrios estruturais, nomeadamente o excesso de carne e a deficiência de hortícolas, e o consumo aparente de gorduras acima do recomendado pela OMS. O impacto da COVID-19 em 2020 refletiu uma quebra da disponibilidade calórica, mas também acentuou o desvio em relação ao padrão tradicional da Dieta Mediterrânica.

É fundamental priorizar o reequilíbrio alimentar para mitigar riscos de saúde, através do incentivo ao consumo de leguminosas e hortícolas.

A BAP 2020-2024 demonstra, assim, a necessidade de políticas e ações que melhorem o padrão alimentar dos cidadãos em Portugal, visando a conformidade com as recomendações de saúde.

Desafios (Áreas para Ajuste)Oportunidades (Potencial de Crescimento)Estratégia ProVeg (Recomendação)
Excesso Inadequado de Proteína Animal: O grupo “Carne, pescado e ovos” apresenta uma discrepância elevada face à Roda dos Alimentos (+12,4 p.p.).Recuperação de Leguminosas: A proteína vegetal das leguminosas secas cresceu de forma notável (+12,5%), sinalizando um regresso promissor à tradição.Otimizar Fontes de Proteína: Incentivar a substituição estratégica do excesso de carne por leguminosas, um pilar da Dieta Mediterrânica.
Gorduras em Desconformidade: O aporte de gorduras saturadas excede as orientações de saúde (15,3% vs. 10% máximo).Adesão a Hábitos Saudáveis: O aumento de 13,9% na disponibilidade de Fruta mostra a vontade de incorporar alimentos mais saudáveis.Fomentar o Equilíbrio: Promover Hortícolas e Leguminosas para corrigir o défice (-8,1 p.p. em Hortícolas) e melhorar a saúde cardiovascular.
Afastamento do Padrão Tradicional: O Índice de Adesão à Dieta Mediterrânica (MAI) estabilizou num nível baixo (1,13), após declínio.Base de Partida Sólida: As disponibilidades de vitaminas e minerais estão, em geral, acima dos valores de referência.Reforçar o Essencial: Focar em medidas que reforcem o consumo dos alimentos vegetais tradicionais para um reajuste da dieta nacional.

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