A obesidade é o resultado final de um consumo de calorias maior do que o gasto, mas isso diz pouco sobre as causas que levaram a isto. Neste artigo, explicamos porque se trata uma doença complexa e multifatorial, com prevalência cada vez maior devido a um ambiente obesogénico que afeta preferencialmente pessoas com carga genética favorável.
Epidemia da obesidade e prevalência global
A obesidade é um problema de saúde pública global e não seria nenhum exagero afirmar que, atualmente, vivemos uma epidemia mundial desta doença. Segundo o estudo Global Burden of Disease (GBD), em 2021, foi estimado que 2,11 mil milhões de adultos, com 25 anos ou mais, em todo o mundo, tinham excesso de peso ou obesidade — quase metade da população adulta total (45,1%). A previsão para 2050 é que este valor chegue a 59%, ou seja, 3,80 mil milhões de pessoas. [1]
Quanto à obesidade em específico, a prevalência global em adultos, com 20 anos ou mais, aumentou substancialmente nas últimas três décadas. Em relação às mulheres, a prevalência duplicou de 1990 a 2022, alcançando os 18,5% (504 milhões), enquanto que, em relação aos homens, praticamente triplicou, chegando aos 14,8% (374 milhões). [2] Estima-se que, em 2050, cerca de um terço da população adulta terá obesidade (34,0% das mulheres e 26,4% dos homens). [1]
Prevalência em Portugal
Em Portugal, o cenário não é muito diferente. Segundo o estudo “O Custo e a Carga do Excesso de Peso e Obesidade em Portugal”, de 2021, 67,6% da população adulta tem excesso de peso ou obesidade, sendo a prevalência da obesidade de 28,7%.[3] De acordo com os dados do estudo GBD, estima-se que, em 2050, 42,3% das mulheres e 37,4% dos homens, com mais de 25 anos, terão obesidade.[1]
A situação é igualmente preocupante quando se trata das crianças e dos adolescentes. Embora a maior parte dos adultos com obesidade não foram crianças ou adolescentes com obesidade, mais da metade (55%) das crianças com idade entre os 7 e os 11 anos com obesidade mantêm a obesidade na adolescência, e cerca de 80% dos adolescentes com obesidade continuam a ter obesidade na idade adulta.[4]
Segundo o relatório do sistema de vigilância nutricional infantil “Childhood Obesity Surveillance Initiative” em Portugal (COSI Portugal), em 2022, 31,9% das crianças entre os 6 e os 8 anos apresentavam excesso de peso ou obesidade (um aumento de 7% na prevalência) e 13,5% apresentavam obesidade (aumento de 12% na prevalência). [5] A previsão para o futuro não é muito encorajadora até o momento. De acordo com o estudo “Global Burden of Disease” (GBD), em 2050, 20,4% das crianças e adolescentes de 5 a 14 anos, em Portugal, terão obesidade. [6]
Esta elevada prevalência da obesidade e de fatores de risco modificáveis, como a alimentação inadequada e a inatividade física, têm contribuído para a desaceleração, ou até reversão, dos avanços na saúde observados nas últimas décadas. Esse impacto tem sido visível em indicadores relacionados com a saúde materno-infantil e esperança média de vida.
Definição, critérios de diagnóstico e doenças associadas
O que é a obesidade? É correto dizer que é uma doença? Qual a forma mais adequada de diagnosticá-la?
A obesidade é entendida atualmente como uma doença crónica não-transmissível, recidivante, complexa e multifatorial, caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal que resulta em efeitos negativos para a saúde.[7,8]
O critério diagnóstico, utilizado no contexto clínico para adultos, baseia-se nos valores de corte do Índice de Massa Corporal (IMC), obtido pela razão do peso corporal (em quilogramas) pela altura (em metros) elevada ao quadrado. O excesso de peso é definido por valores de IMC iguais ou superiores a 25 kg/m2 e a obesidade por valores iguais ou superiores a 30 kg/m2.[7]
No entanto, tanto a classificação da obesidade como doença, quanto a utilização unicamente do IMC como critério diagnóstico são, ainda, temas altamente controversos.[8,9] A definição da obesidade como doença independente vai além de uma questão semântica, tendo profundas ramificações para a prática clínica, saúde pública e sociedade.[9]
Segundo diversos especialistas, reconhecer formalmente a obesidade como uma doença independente daria, provavelmente, maior legitimidade médica e cultural à condição, aumentaria o acesso a cuidados para aqueles que precisam e poderia reduzir o estigma social. Por outro lado, muitos argumentam que esta definição pode reduzir a atenção que é dada ao papel da responsabilidade individual (incentivando comportamentos não saudáveis). Muitos alegam ainda que a obesidade trata-se, na verdade, de um fator de risco para outras doenças, que é uma condição altamente heterogénea, na qual muitas pessoas com excesso de adiposidade (massa gorda) podem não apresentar sinais de doença contínua e que o IMC não fornece informações sobre a saúde de um indivíduo.
Nesse contexto, atribuir, de forma generalizada, o status de doença (como atualmente definida e mensurada) à obesidade representa um risco objetivo de sobrediagnóstico, com ramificações potencialmente negativas nos níveis clínico, económico e político.[9]
Uma análise para além do peso: o IMC não indica quanto tens de gordura corporal! Embora o IMC seja útil para identificar indivíduos com maior risco de consequências para a saúde, não é uma medida direta de gordura, não estabelece a distribuição de gordura pelo corpo, nem pode determinar quando o excesso de gordura corporal é um problema de saúde. Ter como base apenas o IMC para determinar se alguém tem obesidade é problemático, pois pode classificar incorretamente uma pessoa como portadora ou não de excesso de gordura corporal, além de levar ao subdiagnóstico de muitas pessoas com saúde debilitada e ao superdiagnóstico de muitas pessoas saudáveis. |
Recentemente, a Comissão Lancet sobre obesidade clínica, composta por 58 especialistas, levou em conta os legítimos argumentos de ambos os lados e considerou a carência de uma identidade clínica precisa para a obesidade, tendo proposto novas definições e critérios diagnósticos para a obesidade como doença. A Comissão considera a obesidade como um espectro, ou seja, uma condição caracterizada por excesso de adiposidade, que pode ou não ter uma distribuição ou função anormal do tecido adiposo, bem como apresentar ou não sinais e sintomas objetivos de função alterada dos órgãos ou comprometimento da capacidade de um indivíduo de realizar atividades diárias.
Assim, de forma pragmática e objetiva, propõe uma nova abordagem diagnóstica para a obesidade, que se baseia noutras medidas de gordura corporal e introduz duas novas categorias para obesidade: obesidade pré-clínica e obesidade clínica.[9]
A obesidade clínica é definida como uma doença crónica e sistémica decorrente apenas da obesidade, caracterizada por sinais e sintomas de disfunção contínua dos órgãos e/ou redução da capacidade de realizar atividades diárias, devido ao excesso de adiposidade. Pode levar a danos graves em órgãos, causando complicações que alteram e potencialmente ameaçam a vida do indivíduo (por exemplo, ataque cardíaco, acidente vascular cerebral e insuficiência renal). A obesidade pré-clínica é caracterizada pelo excesso de gordura corporal num indivíduo que mantém a função preservada dos órgãos e consegue realizar as atividades do dia a dia sem limitações. No entanto, essa condição já está associada a um risco geralmente elevado — embora variável — de evoluir para obesidade clínica e outras doenças (por exemplo, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, certos tipos de cancro e transtornos mentais). [9]
O modelo diagnóstico da obesidade clínica proposto pela Comissão vai muito além dos valores de corte do IMC e está alinhado com outros posicionamentos e diretrizes, como a abordagem proposta pela Associação Europeia para o Estudo da Obesidade (EASO).[8,10,11] O novo modelo para diagnóstico começa pela confirmação do excesso de gordura corporal, usando métodos como o DEXA scan ou medidas como a circunferência da cintura (componente antropométrico). Depois, avalia-se se esse excesso de gordura já está a causar problemas de saúde ou dificuldades nas atividades do dia a dia (componente clínico).[9]
Por que é tão preocupante que o número de pessoas com obesidade esteja a aumentar?
Na obesidade, o excesso de adiposidade, por si só, pode induzir diretamente alterações estruturais e funcionais em múltiplos tecidos e órgãos (por exemplo, fígado, coração, pulmões, rins e sistema musculoesquelético), causando um comprometimento mensurável da saúde e deterioração da qualidade de vida, independentemente do surgimento de outras doenças. Adicionalmente, predispõe os indivíduos a doenças e condições que contribuem para o aumento do risco de incapacidade e morte prematura e comprometem a qualidade de vida.[9] Considerada uma doença multissistémica, está na origem de inúmeras doenças e complicações de saúde, incluindo diabetes tipo 2, hipertensão, doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica, doenças cardiovasculares (infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, fibrilação atrial), acidente vascular cerebral, apneia obstrutiva do sono, osteoartrite, dores nas costas, transtornos mentais e alguns tipos de cancro (colorretal, mama, pâncreas, fígado e outros) .[9,12]
Globalmente, em 2021, 5,5% das mortes e 4,5% dos DALYs (Disability-Adjusted Life Years – anos de vida perdidos ajustados por incapacidade) foram atribuídos ao excesso de peso e à obesidade. Em Portugal, o excesso de peso (incluindo a obesidade) contribuíram para 7,5% das mortes e 7,4% dos DALYs em 2021, sendo o segundo fator de risco que mais anos de vida saudável retirou aos portugueses e que teve o maior aumento (+ 28,0% dos DALYs) nos últimos 20 anos (entre 2000 e 2021).[13]
A contribuição da obesidade para outras doenças crónicas é também preocupante. As frações atribuíveis à obesidade foram estimadas em 79,4% para a diabetes tipo 2 , 35,8% para a doença cardíaca isquêmica, 42,8% para o acidente vascular cerebral isquêmico e 62,9% para o acidente vascular cerebral hemorrágico.[14] As projeções do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) para 2030, em Portugal, indicam que, do total de óbitos projetados, a percentagem atribuível ao excesso de peso e obesidade será de 12%, ultrapassando o tabagismo, cuja percentagem projetada atribuível de óbitos será de 11%. [15]
A elevada prevalência da obesidade e doenças associadas apresenta também um impacto económico e social significativo, na medida em que o custo associado ao seu tratamento tem um elevado peso nas despesas em saúde e, por outro lado, estas doenças são também responsáveis por perdas importantes ao nível da produtividade.[16]
De acordo com o relatório The Heavy Burden of Obesity – The Economics of Prevention da OCDE, em Portugal, 10% da despesa total da saúde (equivalente a 207 € per capita por ano) é utilizada para o tratamento de doenças relacionadas com o excesso de peso, valor que representa 3% do Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com o mesmo relatório, estima-se que, entre 2020 e 2050, o excesso de peso e as doenças associadas, possam vir a contribuir para uma diminuição da esperança média de vida em cerca de 2,2 anos.[17]
A obesidade está associada ao gradiente social, sendo mais prevalente nas classes sociais mais desfavorecidas e com níveis de escolaridade mais baixos. Em Portugal, esse efeito é manifestamente intenso: a prevalência de obesidade é cerca do triplo nos indivíduos com menor nível educacional (38,5% nos indivíduos com 4 ou menos anos de escolaridade versus 13,2% nos indivíduos com 12 ou mais anos de escolaridade).[18]
Causas (etiologia) e mecanismos (fisiopatologia)
Afinal, o que leva um indivíduo a acumular tanta massa gorda? Quais são as causas da obesidade?
De acordo com uma visão simplista baseada na primeira lei da termodinâmica, pode-se afirmar que a causa fundamental da obesidade é um desequilíbrio energético a longo prazo entre as calorias consumidas e as calorias gastas, resultando no aumento da deposição de gordura corporal. No entanto, assumir que trata-se de uma doença que ocorre simplesmente por comer mais do que o necessário e movimentar-se pouco, é uma ideia não só simplista, mas equivocada. Na realidade, as causas da obesidade são significativamente mais complexas, multifatoriais e ainda não completamente compreendidas.[9,12]
A etiologia da obesidade envolve diversas circunstâncias e fatores que afetam a ingestão de alimentos e o metabolismo de nutrientes e podem induzir alterações dos mecanismos biológicos que mantêm a massa, a distribuição e a função do tecido adiposo, contribuindo assim para a obesidade. São fatores ambientais e do estilo de vida, genéticos, do desenvolvimento, psicológicos e socioeconómicos.[9,12]
Fatores ambientais e do estilo de vida
Estes são considerados os principais impulsionadores da epidemia de obesidade. O ambiente “engordativo” ou ”obesogénico” que a maior parte da população vive atualmente, contribui para a maior ingestão calórica e menor dispêndio energético.
O aumento da ingestão energética (calórica), especialmente pelo aumento da oferta e do consumo de alimentos hiperpalatáveis, ou seja, com alta densidade calórica, ricos em açúcares, sódio e gorduras, que oferecem pouco ou nenhum valor nutricional, não geram saciedade, e podem ser vendidos a preços mais baixos que outro alimentos mais interessantes nutricionalmente, sendo também servidos em grandes porções. Adicionalmente, as empresas alimentícias têm utilizado poderosas estratégias de marketing para divulgar estes tipos de produtos, contribuindo para piores escolhas alimentares. A redução do gasto energético (calórico) é potenciada tanto pela diminuição da atividade física ocupacional como no tempo livre, além do aumento dos estilos de vida sedentários. Ou seja, muitos dos trabalhos são cada vez menos ativos (muitas horas sentadas, ao computador), as pessoas movimentam-se cada vez menos (menos passos diários, mais tempo nos transportes ou a conduzir) e aproveitam o tempo livre com lazeres sedentários (como ver televisão, jogar jogos eletrónicos, e usar computador e telemóveis).[19-21]
Outros fatores ambientais, como a falta de sono ou o trabalho por turnos podem contribuir para o sedentarismo e consumo excessivo de alimentos (especialmente os tais hiperpalatáveis). O acesso à áreas para prática de exercício físico é um fator que pode influenciar a rotina e os hábitos dos indivíduos. A exposição a desreguladores endócrinos (substâncias químicas que interferem na regulação endócrina) também é uma área de investigação. Certas infeções, como a causada pelo adenovírus AD-36, têm sido investigadas pelo seu possível papel, embora se necessite de mais evidências de uma relação causal.[19-21]
Fatores Genéticos
Os genes desempenham um papel fundamental na predisposição de um indivíduo para ganhar peso. Evidências de estudos com famílias, gémeos e crianças adotadas mostram que pelo menos 40 a 70% da variação no peso corporal é explicável por fatores genéticos (herdabilidade).[22,23] Existem formas de obesidade causadas por mutações num único gene (obesidade monogénica), mas que são raras e explicam apenas uma pequena fração dos casos de obesidade grave, especialmente as de início precoce. O principal papel genético para obesidade se dá pela contribuição cumulativa de muitos genes (obesidade poligénica), implicados nas vias que regulam a homeostase energética, o apetite e a saciedade. Pode dizer-se que a obesidade comum resulta da interação de vários genes de suscetibilidade com os diversos fatores do estilo de vida mencionados acima. [19-21, 24]
Fatores socioeconómicos
Em alguns países, as taxas de obesidade estão inversamente relacionadas com o status socioeconómico, especialmente entre as mulheres. A pobreza associa-se a taxas mais elevadas de obesidade e comorbidades relacionadas. O risco de obesidade parece aumentar em grupos populacionais com menores rendimentos e menor literacia alimentar que, em muitos casos, vivem em regiões com ambientes que favorecem piores hábitos alimentares (maior densidade de restaurantes fast-food, mais disponibilidade de comidas hiperpalatáveis e acesso mais limitado a supermercados).[25]
Fatores do desenvolvimento:
Existem períodos críticos no desenvolvimento (período pré-natal, infância, primeira infância e adolescência) que influenciam o risco futuro de obesidade. Por exemplo, o aumento excessivo de peso durante a gravidez, o IMC materno pré-gravidez, a alimentação durante a gravidez e a diabetes gestacional são fatores de risco para a obesidade. Tanto um elevado peso como um baixo peso ao nascer foram associados a um maior risco de obesidade ou adiposidade abdominal na adolescência.[20,25]
Fatores psicológicos e comportamentais
Os comportamentos alimentares são moldados por fatores genéticos, biológicos, pelas oportunidades para comer, disponibilidade e acessibilidade de alimentos, e pelo ambiente. O stress ou fatores emocionais podem influenciar a ingestão de alimentos. Uma dependência comportamental da comida é mais típica do que uma “dependência física da comida” no desenvolvimento da obesidade, e os fatores psicológicos podem contribuir para um comportamento aditivo que conduz a um ciclo vicioso de aumento de peso. Por isso, é comum ouvir, em discussões sobre a obesidade, comentários como: “as pessoas têm de parar de descontar emoções na comida”, ou “quem deveria tratar obesidade era um psicólogo”, ou frases similares, associando a obesidade unicamente a um distúrbio psicológico. Mas não é assim tão simples.
Existem transtornos psíquicos que estão associados a um maior risco de obesidade, como o transtorno de compulsão alimentar (associado a uma probabilidade três vezes superior de ter obesidade). Algumas formas de depressão e transtornos ansiosos podem também levar à hiperfagia e ganho de peso (a obesidade está associada a um risco 25% maior de presença de transtorno de humor ou ansiedade), sendo que como algumas medicações que tratam tais condições podem igualmente contribuir para o ganho de peso. Mas isso não significa que todas as pessoas com obesidade apresentam estas doenças ou transtornos (e nem todas as pessoas que as apresentam têm obesidade). Por outro lado, o estigma com a obesidade pode levar a transtornos psíquicos e agravar ainda mais a doença. Assim, é verdade que muitos pacientes podem beneficiar significativamente de um acompanhamento psicológico, mas não porque a obesidade se reduza apenas a uma questão psicológica. O acompanhamento psicológico, por si só, raramente é suficiente para resolver a doença.[20,21]
Outros fatores que podem contribuir para um maior risco de desenvolver obesidade são as modificações epigenéticas, alterações reversíveis do DNA que afetam a expressão génica sem alterar a sequência do DNA. A prevalência da obesidade relaciona-se com modificações epigenéticas que podem ser causadas por fatores ambientais, como a alimentação e o estilo de vida, bem como pelo desenvolvimento inicial pós-natal e pelos gâmetas parentais. Por exemplo, a exposição à fome in utero associou-se a um maior risco de obesidade em jovens, relacionado com modificações epigenéticas.
A microbiota intestinal, que parece ser menos diversa em indivíduos com obesidade, pode favorecer um estado inflamatório crónico e influenciar o metabolismo de nutrientes e o armazenamento de energia. No entanto, muitas questões permanecem sem resposta e mais estudos são necessários para perceber como a microbiota pode influenciar a patogénese da obesidade.
Além destes fatores, é importante perceber que, na obesidade, o organismo redefine qual o peso corporal a ser mantido e, geralmente, é o peso máximo. Ou seja, o corpo do indivíduo com obesidade vai “lutar” para manter o peso. Isto explica por que o peso perdido com alterações na alimentação ou estilo de vida tende a ser recuperado com o tempo, o que representa um obstáculo importante para o tratamento eficaz da obesidade. A forma como este aumento de peso chega a ser defendido biologicamente permanece incerta, embora a investigação em curso sugira que a inflamação crónica, particularmente no hipotálamo, poderia desempenhar um papel. Portanto, o cérebro de indivíduos com obesidade apresenta diferenças funcionais e estruturais significativas que impactam a regulação energética, o controle do apetite, a regulação da saciedade, o processamento de recompensas alimentares e a suscetibilidade ao ganho de peso, decorrentes de interações complexas entre todos estes fatores acima descritos.[19-21,24]
Prevenção e tratamento
Como prevenir e tratar a obesidade?
Até aqui já foi possível perceber o quão complexa e multifatorial é a obesidade, e que o seu tratamento não se resume a pedir às pessoas que “comam menos e gastem mais calorias”. A complexidade das causas e dos mecanismos da obesidade explicam os desafios na prevenção e no tratamento da doença. Apesar desses desafios, do estigma e percepção errônea de que é apenas um problema de estilo de vida ou falta de força de vontade, e da noção de que a obesidade é uma doença crónica, progressiva e com recaídas, esta pode ser prevenida e/ou tratada com uma abordagem que inclui uma combinação de intervenções nutricionais, de estilo de vida, farmacológicas e, em alguns casos, cirurgia bariátrica.
Alterações no estilo de vida são a base da prevenção e do tratamento e visam uma perda de peso de 5% a 10% através de alimentação, atividade física e terapia comportamental.
As recomendações alimentares enfatizam alimentos com alta densidade nutricional, como frutas, hortícolas, cereais integrais, leguminosas e fonte proteicas pobres em gorduras saturadas, enquanto desaconselham alimentos e bebidas com alta densidade calórica, ricos em açúcares, gordura, hidratos de carbono refinados. A atividade física, incluindo o treino com cargas, é crucial para a manutenção do peso perdido e para preservar a massa muscular e óssea. A terapia comportamental envolve automonitorização, identificação de barreiras, resolução de problemas e suporte, com as soluções de saúde digital a mostrarem-se promissoras para a adesão a longo prazo. Manter uma boa rotina e qualidade do sono, evitando a privação crónica, bem como fazer uma boa gestão do stress, também podem contribuir para a prevenção e tratamento da obesidade.
Para além das intervenções individuais, a prevenção a nível ambiental e social é igualmente necessária. Isso envolve a implementação de políticas públicas que regulamentem a disponibilidade de alimentos hiperpalatáveis. com alta densidade calórica, promovendo a acessibilidade dos alimentos saudáveis. A indústria alimentar e as políticas públicas devem usar a publicidade a alimentos como uma via para educar a população e incentivar hábitos saudáveis. O estigma em relação à obesidade pode ser um grande obstáculo para a prevenção e o tratamento eficazes, sendo crucial promover uma nova narrativa pública da obesidade, consistente com o conhecimento científico moderno. Para o efeito, pode-se capacitar profissionais de saúde para combater o preconceito relacionado com o peso e apostar nas intervenções familiares. Estudos demonstram os benefícios de intervir a nível familiar ou parental, para reduzir o risco de obesidade em crianças, e a atuação nos determinantes sociais da saúde, como a pobreza e a insegurança alimentar influenciam significativamente as taxas de obesidade.
Quanto ao tratamento, especificamente, as intervenções farmacológicas estão geralmente associadas a uma maior perda de peso do que o tratamento de estilo de vida sozinho. Medicamentos aprovados para tratar a obesidade auxiliam na perda de peso e na melhora da saúde, devendo ser usados com cuidado, por quem realmente precisa e com aconselhamento médico, enquanto a cirurgia bariátrica é o método mais eficaz para casos de obesidade grave.
O tratamento da obesidade requer uma abordagem abrangente, personalizada e a longo prazo, reconhecendo a natureza crónica da doença, o estigma associado e que eventuais intervenções cirúrgicas e farmacológicas devem somar-se às alterações no estilo de vida, não substituí-las.[20,26-28]
Obesidade e alimentação de base vegetal: qual a relação?
Os padrões alimentares de base vegetal estão associados a menores valores de IMC em indivíduos saudáveis.[29,30] Várias revisões de ensaios clínicos indicam que indivíduos com excesso de peso, diabetes tipo 2 e outras doenças crónicas, que seguiram uma alimentação de base vegetal alcançaram maiores reduções de peso corporal, IMC e circunferência da cintura, em comparação aos que seguiram uma alimentação não-vegetariana.[31-36]
No entanto, é importante ter atenção à qualidade da alimentação. Uma alimentação de base vegetal, bem estruturada e de boa qualidade, tem como principais constituintes grupos alimentares como leguminosas, cereais integrais, frutas, hortícolas, frutos gordos, sementes, óleos insaturados e produtos à base de soja – alimentos com elevada densidade nutricional e que promovem saciedade, favorecendo a manutenção de um peso saudável -, sendo pobre em alimentos e bebidas com elevada densidade calórica e hiperpalatáveis, como refrigerantes, doces e sobremesas. Padrões alimentares de base vegetal saudáveis estão associados à redução do peso corporal e da adiposidade, enquanto os padrões alimentares de baixa qualidade, não-saudáveis, não têm efeito ou estão associados ao aumento do peso e da gordura corporal.[37]
De acordo com a evidência científica disponível, os padrões alimentares de base vegetal saudáveis têm o potencial de contribuir para redução do peso corporal e da adiposidade. Num contexto de programas de intervenção do estilo de vida, podem desempenhar um papel importante na prevenção e no tratamento da obesidade e das doenças crônicas associadas. Poderás consultar dicas e passos para seguir uma alimentação de base vegetal saudável e bem planeada aqui.
Qual a estratégia em Portugal para combater a obesidade?
Considerando o cenário atual e a previsão para o futuro em Portugal, é necessário intensificar os esforços nesta área da prevenção e controlo da obesidade. Neste contexto, Portugal aderiu ao WHO Acceleration Plan to STOP Obesity, uma iniciativa da OMS que reúne um conjunto de países a nível mundial que se comprometeram a acelerar a implementação de medidas de prevenção e controlo da obesidade.[38] É também neste âmbito que a Direção-Geral da Saúde publicou um Roteiro de Ação para Acelerar a Prevenção e Controlo da Obesidade em Portugal para os próximos 3 anos, visando contribuir para as metas definidas para 2030 no âmbito do Plano Nacional de Saúde 2030 e dos programas prioritários de saúde. O roteiro conta com dez ações para prevenir e controlar a obesidade e pode ser consultado aqui.
Artigo da autoria do Nutricionista Lucas Oliveira (5897N)
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